Vivemos um tempo desafiador para a inovação. Nos últimos anos e meses, pessoas, empresas e organizações, precisaram aprender a lidar com a pandemia da covid-19, o movimento de alta da inflação, a perda de poder aquisitivo de parte da população, e o aumento no valor dos combustíveis, por exemplo. Mais recentemente, é necessário somar os efeitos da Guerra na Ucrânia.
Apesar e por causa dos desafios, os tempos nunca foram tão extraordinários para a inovação. As redes sociais revolucionaram a dinâmica entre empresas e consumidores, aumentando o diálogo e criando novos desejos. Em paralelo, a tecnologia avança, de forma significativa, com inovações emergentes, como Big data, IoT (Internet das coisas), AI (Inteligência Artificial), cloud computing e o metaverso.
Nunca conversamos tanto sobre tecnologia como nos últimos anos. Que o metaverso mudará a forma de como vamos nos comportar socialmente, e de como as marcas vão se relacionar com o mercado e os consumidores. E que o Blockchain trará novas oportunidades econômicas, a Internet das Coisas com o 5G deixará o mundo mais rápido e mais conectado, e um monte de outras previsões, que prometem transformar a nossa realidade, ou para alguns de nós, pois, ainda vivemos em uma bolha onde poucos têm acesso a toda essa tecnologia.
Mas por trás de toda essa transformação, existe um aspecto essencial para tornar uma tecnologia um sucesso: o empreendedor ou a empreendedora, aquela pessoa que consegue enxergar as possibilidades que toda essa tecnologia pode criar, para melhorar as nossas vidas e deixar o mercado mais competitivo.
E eu faço parte desse grupo de pessoas. Hoje estou a frente de uma consultoria de inovação corporativa e sou professor universitário e mentor, nas áreas de inovação e empreendedorismo. E também já tive uma startup.
Estou empreendendo desde 2015, e já experimentei sucessos e fracassos, trabalhando com diferentes sócios, depois sozinho, gerindo equipes e projetos aqui no Brasil e no exterior.
Todas essas experiências me ajudaram e me ajudam a seguir aprendendo. A cada dia que passa me sinto mais ignorante, porque descubro que ainda tenho muito o que aprender.
Foi com a inquietude de um profissional curioso e ignorante, que embarquei, em junho de 2022, para Tallin, na Estônia, em uma viagem com um grupo de professores e estudantes de diferentes lugares e formações, com o objetivo de aprender e trazer algo novo para os nossos clientes e para os meus alunos.
Já é sabido que a Estônia tem o maior número de startups per capita da Europa, sendo uma das nações que mais criam negócios de sucesso com crescimento exponencial. O nosso desafio ali era, em menos de uma semana, absorver o máximo de cada visita que fazíamos, de cada conversa que tínhamos, descobrindo a cultura intrínseca da pequena Tallin, e a sua linda arquitetura nostálgica, entre as ruas e bairros que passávamos.
Sabemos que uma startup é um negócio de alto risco e, consequentemente, de muito aprendizado. Ter tido a oportunidade de conversar com profissionais de lá, empreendedores e empreendedoras, investidores anjos, fundos de investimentos, pessoas do governo, e acadêmicos, foi, sem dúvida, muito inspirador. Pois, somado às mesmas dificuldades de mercado que qualquer novo negócio tem, existem os fatores educacionais e culturais a serem compreendidos.
A conclusão que cheguei, é que não existe nada a ser copiado do ecossistema de startups e de inovação da Estônia, nenhuma ação especifica, nenhum processo, nenhum projeto, nada! Precisamos, sim, compreender como o país chegou onde está e nos inspirar neste case de sucesso, para criar os nossos próprios cases de inovação, e potencializar ainda mais o nosso ecossistema empreendedor.
Desde 1991, pós União Soviética, a Estônia começou a ser comandada por lideranças jovens, o que fez o país entrar para a era digital rapidamente.
Todo mundo recebeu um e-ID card (carteira de identidade), com um passaporte. Todas as bibliotecas receberam pontos de internet, e os funcionários da biblioteca treinaram todo mundo que queria aprender a navegar online. Todos eram bem vindos, de crianças até idosos. O governo criou salas de computador em todas as escolas, incluindo os lugares mais remotos.
Eles não sabiam o que iria acontecer, e a mentalidade era do “vamos fazer”, e depois aprendemos com os resultados.
Mesmo que “tudo” sobre inovação já tenha sido explicado, os líderes precisam ter um trabalho de inspirar os colaboradores e devem manter ativa a cultura de inovação. Atividades bastante simples podem gerar boas conversas, como sugestões de leituras ou um TED Talks — a apresentação dura menos de 20 minutos. Dependendo do engajamento entre a equipe, é possível organizar uma conversa sobre como entenderam determinado material.
Embora eu destaque a importância do papel da liderança, a inovação só irá gerar resultados se todos estiverem verdadeiramente engajados em melhorar os processos e produtos da empresa. Inclusive, questiono a existência de um setor 100% dedicado à inovação, porque pode gerar um pensamento de que o assunto só é importante para um grupo específico, o que não é verdade. Por outro lado, ter líderes e alguns “embaixadores da inovação” estimulando este processo pode ser interessante.
A consequência dessa estratégia, foi a criação um país com um governo altamente eficiente e o mais digital do mundo, e uma lista de startups unicórnios de dar inveja a qualquer nação do planeta.
Essa aposta digital foi tão grande, que hoje, quando os estudantes não sabem o que escolher para as suas carreiras, vão estudar TI!
Outro fator que contribuiu para o sucesso da Estônia, é que além do investimento digital feito no país, seus habitantes se beneficiaram de uma sólida formação técnica, que herdaram da extinta união soviética.
Desde 2014, existe um programa chamado e-residency, empreendedores e empreendedoras de qualquer país, podem abrir uma empresa no âmbito da União Europeia, e gerenciar o seu negócio de forma totalmente remota, de qualquer lugar do mundo. Trata-se de uma identidade digital, emitida pelo governo estoniano, que permite as pessoas criarem e administrarem empresas com sede eletrônica na Estônia.
Atualmente, mais de 70,000 pessoas de 167 países possuem o e-Residency, as quais foram responsáveis pela abertura de 10,000 empresas no país.
Outra iniciativa interessante e que já trouxe muitos benefícios ao país, é o startup visa, um programa que desde 2017, apoia fundadores de startups não-europeias a crescerem na Estônia e também facilita startups estonianas a contratarem talentos fora da UE (União Europeia). A iniciativa já trouxe quase 700 founders e 226 startups, de vários países do mundo.
Para mais informações sobre estes programas, o e-residency e o startup visa , você pode acessar o site da estoniahub.
Se comparado ao Brasil, a Estônia é um país muito pequeno territorialmente e em sua população, o equivalente ao estado do Espirito Santo. Entretanto, há universidades de ponta por lá, como a Tallinn University of Technology (TalTech), que tivemos a oportunidade de visitar o Mektory, o centro de inovação deles, e a University of Tartu, a maior e mais respeitada instituição em todo o leste Europeu, fundada em 1632.
Delas saem muitos empreendedores e empreendedoras de sucesso, e projetos de pesquisa inovadores. Por exemplo, em nossa visita ao Mektory, o centro de inovação da Tallinn University of Technology (TalTech), conhecemos o projeto deles do ônibus autônomo e dos satélites criados por estudantes. Um deles, o Hämarik, um satélite cubo do tamanho de 10 × 10 × 10 cm, com um transmissor de rádio, operando na faixa de frequência de 10 GHz, foi lançado no espaço em 2020.
Assim, esses polos acadêmicos, governamentais e de inovação, ajudam o país a ser reconhecido como uma nação de startups e uma referência em inovação.
Além das pesquisas dentro das universidades, da formação tecnológica e digital e da cultura empreendedora dos estonianos, o que pude ver foram grandes empresas de tecnologia instaladas na pequena capital Tallinn.
Tudo isso potencializou o surgimento e o sucesso de startups como o Skype, a Wise, PipeDrive, Bolt, Id.Me, Zigo, entre outras.
Conheci também dois empreendedores brasileiros, que estão se destacando no país, a Karen V. Ordones, founder & CEO da Tutor.id, uma plataforma educacional que conecta alunos com professores particulares, localmente (aulas presenciais) ou remotamente (aulas online). A plataforma conta com um algoritmo que utiliza machine learning para classificação e recomendação de professores. A Karen, foi a primeira mulher do mundo, na faixa etária dela, a obter o e-residency. Também foi a primeira empreendedora na Estônia a sair na Forbes Women, um exemplo brasileiro de sucesso e de muito talento.
Na sequência, tivemos um encontro que foi uma aula de empreendedorismo, blockchain e de resiliência, com o CEO da OriginalMy, o querido Edilson Osório, que criou uma Deep tech startup de blockchain, com uma plataforma para fornecer serviços como validação de identidade, assinatura eletrônica e certificação de documentos digitais. Ele se tornou “garoto propaganda” do Startup Visa, e hoje também é uma referência em blockchain, inclusive representando a Estônia em eventos ao redor do mundo.
Visitamos alguns escritórios de VC – venture capital, e de organizações de investidores anjos, onde falamos com muitas pessoas desse ecossistema, e aprendemos bastante sobre as iniciativas deles no país. Ficou evidente os esforços em apoiar as startups em fase inicial, e construir uma rede de apoio entre todos os stakeholders do ecossistema empreendedor do país.
Por exemplo, a Estban, o Estonian Business Angels Network, conta com mais de 270 membros investidores anjos, que além de investirem nas startups, também recebem mentorias para se tornarem investidores mais qualificados e preparados.
O Super Angel, foram os primeiros apoiadores da Bolt e da Starship, duas startups de destaque, a Bolt hoje é um unicórnio! Eles promovem eventos próprios para compartilhar aprendizados entre as startups e apoiam uma Coding School, no interior da Estônia.
O governo também faz parte dessa rede e nos últimos anos investiu cerca de €1,5 milhões de Euros para alavancar os investimentos com aceleração, inclusive com a contratação temporária de CMOs, CFO, e etc, uma espécie de executivos “as a service”, onde o profissional fica dedicado na startup por um período de 3 meses, pagos pelo fundo de investimento anjo, para ajudar a startup a crescer.
Na agenda ainda tivemos a oportunidade de visitar o Cleantech Estonian, que foca no desenvolvimento da indústria de tecnologia limpa, influenciando o setor público a se envolver com startups em estágio inicial, com modelos de negócios sustentáveis, e que geram um impacto positivo para o meio ambiente.
E fechamos com uma visita na Embaixada brasileira, onde tive a honra de representar a CO-VIVA e conhecer o excelentíssimo senhor embaixador, José Antonio Gomes Piras, que nos recebeu com a sua equipe.
Aprendemos muito neste encontro e saímos inspirados para fomentar ainda mais a cooperação do Brasil com a Estônia, cheio de ideias para novos projetos.
De fato, com um propósito colaborativo e muito claro, de se digitalizar e ser uma referência em tecnologia e excelência, com trabalho duro, paciência e resiliência, em 30 anos de história, o país conseguiu se destacar na criação de uma rede de empreendedorismo robusta, profissional e bem articulada. O resultado são exemplos de sucesso de startups que estão revolucionando o mercado global, com soluções em tecnologias emergentes, como Big data, IA, ID e Cibersecurity.
Retornei da missão satisfeito com o que vi e vivi lá, e inspirado, mas não para copiar o modelo de sucesso de lá, mas para criar os nossos próprios modelos que podem dar certo aqui. Nós somos muito bons, pois, empreender e inovar em um país como o Brasil, com tanta instabilidade politica e econômica, já é uma grande vitória.
Itamar Olimpio é fundador da consultoria de inovação corporativa CO-VIVA. É professor de inovação e empreendedorismo em MBA’s na FIAP e no SENAC, e professor convidado de Inovação do MBI, (Master Business Innovation) da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), além de mentor da aceleradora de startups da FIAP, Amplifier e no Hub Inovativa. É mestre em Inovação de negócios pela Imagineering Academy, da Breda University na Holanda, onde também leciona como professor convidado.
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